Cia. Carl Hoepcke e o Museu Nacional do Mar

Para entendermos a importância da Cia. Carlos Hoepcke no desenvolvimento econômico de São Francisco do Sul, é necessário que se faça uma pequena exposição sobre um período da economia francisquense, entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX. Nossa terra era uma pequena e isolada vila à beira-mar, que em 1847 teve seu status promovido à categoria de cidade, sem que isso ocasionasse alguma melhoria prática na vida dos habitantes da época.

A pequena produção agrícola que abastecia o comércio local e também era transportada e comercializada em outras localidades provinha em grande parte de propriedades que se valiam da exploração do trabalho escravo. De repente a pequena economia local entra em colapso, com o Governo Imperial decretando o final da escravidão no país. As poucas fazendas que existiam por aqui tiveram de libertar seus escravos e seus produtos deixaram de ser plantados e comercializados.

A cidade mergulhou em período de desânimo e estagnação econômica, de onde viria a emergir apenas no início do século XX. Em 1901, a população da cidade se encheu de entusiasmo e otimismo ao receber a notícia de que a Cia. Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande obteve a concessão e logo iniciariam os estudos para a implantação de um ramal ferroviário ligando nossa ilha ao resto do mundo.

O fato chamou a atenção de alguns empreendedores. Entre eles, Carl Hoepcke vislumbrou o surgimento das condições necessárias para ampliação de suas operações comerciais e logísticas instalando na pequena cidade, uma filial da ENNH (Empresa de Navegação Nacional Hoepcke). O primeiro passo do empreendimento foi dado em 1903, com o empresário adquirindo um terreno de marinha onde já existiam algumas casas e pequenas benfeitorias, no entorno do Morro do Hospício, ao lado da estreita Rua da Praia, na área central da cidade. Iniciava-se ali a saga de desenvolvimento e progresso que a implantação de projetos empresariais traria ao futuro crescimento econômico da pequena e pacata São Francisco do Sul.

Iniciadas as obras, o local tornou-se um ponto de atração, onde a população acompanhava, com um misto de curiosidade e orgulho, o avanço da construção do trapiche, das paredes altas e maciças em estilo germânico dos armazéns e escritórios, da primeira filial da Companhia Carlos Hoepcke construído fora da capital do estado.

A obra foi inaugurada em janeiro de 1906, contando com armazéns e depósitos para madeiras e cargas em geral (que depois foram ampliados acompanhando o crescimento dos negócios), acrescidos da produção própria de eletricidade por meio de dois geradores movidos à carvão e um trapiche de madeira construído paralelamente à rua, ao lado do Trapiche Itapaci que há muito tempo já funcionava no local.

Munícipes lembravam que “Trabalhar naquele escritório, com paredes sólidas e imponentes era o sonho e objetivo de muitos francisquenses” já que ao trabalhar no escritório da Cia Carl Hoepcke o funcionário adquiria uma imagem mais respeitável, um certo "status", juntando ao seu currículo a referência de trabalhar na maior organização comercial e industrial de nosso estado.

A força da empresa refletia-se no fato da Carlos Hoepcke & Cia ser agente de várias empresas de navegação estrangeiras, tais como a "Hamburg Südamerikanische Dampfschifffahrts-Gesellschaft", a "NorddeutscheVersicherungs - Gesellschaft", de Hamburgo, a "Prince Une" de Liverpool; a "Norddeutscher Lloyd", de Bremen, da empresa de navegação aérea alemã "Condor Syndikat" - cujos hidroaviões faziam a rota Porto Alegre - Rio de Janeiro, com escalas em Florianópolis e São Francisco do Sul. A empresa ainda era representante de empresas de seguro, serviços em geral, representando ainda os interesses do Banco do Brasil, em um período da história em que não haviam agências do banco em algumas das maiores cidades do estado.

Além da geração de empregos diretos e indiretos, a empresa participou de alguns importantes momentos do desenvolvimento socioeconômico da cidade, como a criação de um pequeno estaleiro para a manutenção de sua frota no Bairro Paulas, auxílio à criação da Maternidade Ruth Hoepcke. Seu gerente Sr. Otto Sellinke, doou metade do valor necessário à aquisição do terreno onde hoje se situa o Estádio Otto Sellinke, ou, como mais conhecido, Campo de Futebol do Clube Atlético São Francisco.

Porém, a ação mais benéfica a população, resultou de um acordo entre a empresa e a municipalidade: uma parte da produção de eletricidade gerada pela sua usina de força seria vendida ao município, permitindo assim a instalação do primeiro sistema de iluminação pública em substituição aos lampiões de querosene existentes em algumas ruas de uma pequena área do centro da cidade.

Nas primeiras décadas do século XX, os navios da empresa eram o principal meio de transporte para pessoas comuns entre os portos catarinenses, do resto do país e do exterior. Nas tábuas de seu trapiche, foram dados os primeiros passos em solo de brasileiro de muitos imigrantes que aqui chegavam com seus planos e expectativas de dias melhores na nova pátria que doravante os abrigaria. O movimento de passageiros revestia-se de uma aura de glamour e uma certa ostentação, que volta e meia, acabava atraindo curiosos que acompanhavam os embarques e desembarques no local.

Outras figuras que também se faziam presentes eram as pessoas conhecidas como “maleiros”, que sempre apareciam oferecendo-se para carregar aos hotéis e casas de família as pesadas e volumosas malas dos passageiros. Um fato curioso era que a chegada noturna desses navios, com seus faróis e refletores de navegação acesos, atraia muitas pessoas, que ao saberem previamente o horário da chegada, se dirigiam para a orla do centro da cidade para ver as luzes refletidas nas águas, imagem que para alguns, lembrava um presépio de Natal. O Trapiche do Hoepcke era a síntese de ebulição e efervescência do que era o comércio marítimo do século passado.

A movimentação de mercadorias e passageiros era garantida pelas suas 18 embarcações de apoio (02 rebocadores e 16 lanchas). Mercadorias como trigo argentino seguiam em barcaças que eram puxadas por rebocadores até o antigo porto de Joinville. Na volta, as barcaças retornavam com seus porões repletos de cargas de madeira e erva mate, que eram descarregadas e transportadas em vagonetes aos armazéns, onde aguardariam o embarque para o seu destino final.

O tempo passou a empresa cresceu e prosperou, gerando empregos, rendas e oportunidades, marcando as lembranças de quem viveu o cotidiano da cidade na primeira metade do século passado.

Porém os bons ventos mudaram, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, quando a empresa foi obrigada a nacionalizar a sua diretoria, substituindo seus sócios e dirigentes. A guerra acabou e a empresa voltou as suas operações normais, porém o novo modelo de política estatizante que crescia no Brasil pós-guerra mudou as leis que regulamentavam a ancoragem em trapiches privados, prejudicando a atuação das empresas operadoras em frente a concorrência com o recentemente inaugurado Porto Público de São Francisco do Sul.

Outro fator que pesou contra foi a mudança da matriz de transporte de mercadorias e pessoas: a via marítima foi aos poucos sendo substituída pelas rodovias que naquela época começavam a ligar os estados da federação.

Após um tempo de abandono, o conjunto de prédios da empresa tiveram a imponência e glória dos antigos armazéns e escritórios resgatadas, com a parceria entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, Prefeitura e Governo do Estado de Santa Catarina, que uniram forças e tiraram do papel o projeto de restaurar as instalações e iniciar a criação do Museu Nacional do Mar, que ao final de uma primeira fase de implantação foi inaugurado na data de 8 de setembro de 1991.

As antigas e sólidas paredes da empresa hoje em dia reúnem um considerável acervo de embarcações brasileiras, miniaturas, imagens, documentos e livros, que proporcionam aos visitantes a oportunidade de conhecer em primeira mão a história da navegação, com a evolução das técnicas e embarcações, dos antigos navegadores e seus descobrimentos.

MAQUETE DO MUSEU

Conny Baumgart é um perfeccionista, como se observa no diorama em miniatura do centro urbano de São Francisco do Sul. O mesmo detalhismo pode ser visto em outros trabalhos do artista, como as miniaturas de embarcações produzidas para a Coleção Alves Câmara e reproduções de pássaros em tamanho real. Nascido em 1927 em Rio do Sul (SC), Baumgart passou parte da adolescência na Alemanha, onde a família se estabeleceu. Lá, trabalhou como aprendiz numa fábrica de motores navais em Hamburgo, cidade que abrigava o maior porto do mundo, além de vários museus. De volta ao Brasil, radicou-se em São Paulo, onde trabalhou como ferramenteiro e iniciou- se na arte do nautimodelismo. Em 1975, aposentado, o artesão mudou-se com a família para São Francisco do Sul. Começou a esculpir seus pássaros, criou dioramas e miniaturas para o Museu Nacional do Mar e, em 1999, assumiu o projeto de miniaturizar o centro urbano da cidade. A produção da maquete de São Francisco do Sul começou a ser idealizada nos meses finais de 1998, por iniciativa do então superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o catarinense Dalmo Vieira Filho, e da direção do Museu Nacional do Mar.

RESGATE DO SÉCULO XX

Em fevereiro de 1999, o artista plástico Conny Baumgart, renomado miniaturista, iniciou o trabalho. A ideia era reproduzir o centro histórico, a orla e o Porto, tal qual seriam na virada das décadas de 30 e 40 do século passado.

APOIO DA COMUNIDADE

Baumgart contou com o apoio de estagiários, de estudantes, outros artistas e até de moradores de São Francisco na execução da obra. Paralelamente, o artista se dedicava a outros projetos, como a reprodução de pássaros da fauna brasileira e a miniaturização de embarcações para um projeto da Marinha.

RETOMADA E FINALIZAÇÃO DA MAQUETE

Conny contou com a ajuda da equipe da Associação de Amigos do Museu Nacional do Mar que, em 2016, após três anos de interrupção nos trabalhos, elaborou o projeto para conclusão da maquete. A bibliotecária Cleonisse Schmidt e o arquiteto Márcio Rosa assumiram a coordenação do projeto e da equipe, formada pela designer Lilian Hennemann, pela artesã Rosete Menezes, pelo arquiteto Paulo Rosa e pelos estudantes de Arquitetura Lucas Berce e Ana Carolina de Moraes Salomão, além do próprio Conny Baumgart. Patrocínio - A ArcelorMittal abraçou o projeto e firmou mais uma parceria com o Museu Nacional do Mar para viabilizar a sua implantação, tornando o diorama um destaque no acervo do Museu do Mar. Parceria - A iluminação e os efeitos cênicos da maquete são resultado de uma parceria com o curso de Automação do Instituto Federal Catarinense, campus de São Francisco do Sul. Nas edificações, em vez de alvenaria e madeira, poliestireno; pessoas e animais são feitos de resina gel coat, assim como os carros e as embarcações; o mar é representado por efeitos especiais; algumas árvores e jardins, sim, são produzidos com vegetação. O resultado da mistura dessas matérias-primas é uma São Francisco do Sul em miniatura. A maquete retrata o centro urbano da cidade, na virada dos anos 30 para os 40 do Século XX. Era uma época de ouro para a terceira mais antiga cidade do Brasil. A economia girava praticamente em torno das atividades portuárias, com um febril comércio nas ruas, simbolizado pela pujança da Cia. Carl Hoepcke e do Moinho Santista. Do interior da ilha vinham os produtos agrícolas, comercializados no Mercado Municipal, junto com o abundante pescado da baía Babitonga. Na escala de 1:75 (ou 1,38 cm para cada metro), em 64 metros quadrados, o diorama representa o centro urbano - que pouco se alterou, graças ao esforço de preservação do casario -, a orla e o Porto. Tomaram-se como base imagens históricas, levantamento aerofotogramétrico e depoimentos de moradores. É um pouco de São Francisco do Sul de oito décadas atrás, num esforço feito

 

 

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